“Um dos traumas típicos, no mundo indígena, envolve uma saída solitária de uma pessoa ao mato, para caçar, por exemplo, a qual desemboca no encontro repentino com esses germes, essas larvas de Estado que são as alteridades-espírito, as agências sobrenaturais com o poder de nos contra-definir: ‘Aqui o sujeito sou eu. Você não é humano coisa nenhuma. Venha pra mim, torne-se um de nós.’ Você topa com uma onça, ela te olha diferente, você não consegue fugir do contato ocular: aí o bicho se transforma (a teus olhos) subitamente em uma pessoa, um parente por exemplo, e lhe pergunta – ‘por que você quer me matar, meu irmão?’ Não responda! – ou você já perdeu. A onça não é teu parente. A onça é a ausência mesma de parentesco.”
“Isso é um pouco como a idéia de Estado, que é suposto se constituir historicamente contra as antigas solidariedades de parentesco. Diante do Estado não somos mais que indivíduos. Todo mundo deve estar eqüidistante do Estado. As pessoas estão articuladas a ele sem mediação dos laços familiares. É você de um lado, sozinho; do outro lado, o Todo. No meio, nada – o vazio relacional. A criação súbita de você como indivíduo particular, como parte, e o Estado como o público, como a totalidade. A parte da parte e a parte do todo: a parte do leão, justamente; o leão do Fisco, a super-onça do Estado. E nós, os cidadãos-caititus, particularmente perdidos na mata da economia capitalista.” (fonte: Eduardo Viveiros de Castro/ Série Encontros: Ed. Azougue)
Um comentário:
Para os Xavante, a onça era avô.
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